No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio Sara conversa com os arquitetos do atelier extrastudio, João Caldeira Ferrão e João Costa Ribeiro, sobre o projecto da Casa Vermelha. Ouça a entrevista completa e leia parte da transcrição da conversa, a seguir:
Sara Nunes - No podcast não costumamos trazer muitas casas. Tentamos sempre escolher projectos da nossa cidade que conhecemos, que fazem parte das nossas vidas, mas, muitas vezes, não conhecemos os seus autores, de que materiais são feitos, quantas pessoas estiveram envolvidas na construção e de que forma é que impactam positivamente a nossa cidade. Mas a verdade é que a casa é o lugar onde habitamos todos e hoje vamos falar de uma casa que, já há alguns anos, vocês me convidaram para visitar. Hoje vamos fazer uma visita diferente e levar os ouvintes connosco. Da última vez que falei convosco sobre a casa fiquei com a sensação de que das duas uma: ou a casa era vossa, ou de um familiar vosso; ou, então, vocês criaram realmente uma relação excepcional com os clientes porque sente-se quando vocês falam dela, que é mais do que uma obra. É como se ela fizesse parte da vossa família. Em qual das suposições é que eu acertei?
João Caldeira Ferrão - Acertaste na primeira, Sara. Acho que o projecto é de 2005, julgo. Há uma colaboradora... Nós temos trabalhado com ela ao longo dos anos. A Sónia é paisagista. O projecto é para um familiar. É para a Sónia Caldeira. A casa já existia. Na realidade, era uma adega antes. Pertencia aos meus avós num terreno, no meio de uma aldeia. Durante muitos anos, foi outra coisa qualquer. Ela já tinha deixado de ser utilizada como adega, desde a morte do meu avô. A Sónia quis transformá-la em casa e contactou-nos por causa desse projecto.
SN - Esta casa situa-se em Azeitão, numa zona vinícola. E estamos perante um projecto de reabilitação, em que era muito importante a preservação do laranjal. Isto ditou que tivessem de manter um edifício existente, a adega. Quais foram as grandes alterações que fizeram no edifício para que este se transformasse numa casa para habitar?
João Costa Ribeiro - Há aqui uma questão que é... nós temos reflectido. Ou melhor, na nossa prática, ou se calhar a prática contemporânea de qualquer atelier... trabalha muito na intervenção sobre “património”. Estou-me a referir a património que não tem, necessariamente, valor patrimonial. Ou seja, são edifícios que têm o seu valor porque estão lá e estão construídos. E, acima de tudo, aquela casa... ou melhor, aquela construção tinha a característica de ter uma implantação curiosa que nós nunca faríamos se tivéssemos de a mandar abaixo. Ou seja, ela estava num canto do terreno, mas por outro lado tinha uma relação com o laranjal e com o espaço exterior, que era muito interessante. E, acima de tudo, tinha uma condição estranha que era: nós, em grande parte dos projectos, em que trabalhamos com esses tempos, fazemos a ampliação; ali, naquela casa, tínhamos de fazer exactamente o contrário, uma espécie de ‘deflação’. Tínhamos de trabalhar com menos área do que a área que lá estava. Se chegássemos lá e fizéssemos dois ou três pisos que ocupavam o comprimento daquela área tínhamos uma casa muito maior do que a necessária, por isso o nosso trabalho começou por lidar com a pré-existência e perceber quais é que eram as fragilidades. Ou seja, se ela encostava aos muros dos vizinhos... que hoje seria uma coisa impossível de fazer porque...
SN - Já não é permitido, não é?
JCR - Exactamente. Tínhamos de trazer luz por essas zonas que eram mais escuras. E a casa tem, julgo eu, uma largura de 11 metros, que é bastante profunda. E, por outro lado, tínhamos de arranjar um estratagema para não ocupar aquela área toda, mas ocupar da melhor forma. E a estratégia foi trabalhar com aquilo que estava lá e com aquilo que o lugar tinha para nos dar, mas se calhar da forma exactamente contrária que é: não ampliar a construção. Esta relação sobre como é que se lida com os edifícios existentes que não têm necessariamente valor patrimonial ou que não têm valor, pelo menos classificado, é uma matéria de trabalho muito interessante e mais ou menos pensada. Às vezes, trabalha-se neste campo um pouco por instinto nos últimos anos. E eu acho que não tem merecido muita dignidade na forma como é trabalhada. Ou seja, eu acho que nós, como arquitectos, – e falo em nós, mas refiro-me também à nossa classe – ainda temos muito incutida a Carta de Veneza em que existe o ‘edifício bom’ e o ‘edifício mau’. Como se houvesse o lado bom e o lado negro da força.
SN - Quando não é bom, destrói-se não é?
JCR - Exactamente! Ou quando não tem esse valor reconhecido. Ou seja, existe o lado bom e o lado mau da força e só se consegue trabalhar com o lado bom. Eu lembro-me de, uma vez ,alguém olhar para uma intervenção qualquer e dizia que gostava, mas não conseguia compreender porque não percebia onde é que começava e acabava a intervenção nova. Isso para mim é um sucesso.
SN - Certo.
JCR - Eu acho que é importante reconhecer como é que se trabalha com estes...
SN - Com esses tempos diferentes, não é?
JCR - Sim.
JCF - Depende um pouco de caso para caso, João.
JCR - É um desafio do nosso trabalho, hoje em dia.
Ouça a entrevista completa aqui. Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:
- Carrilho da Graça
- João Mendes Ribeiro
- Inês Lobo
- Carlos Castanheira
- Tiago Saraiva
- Nuno Valentim
- Nuno Brandão Costa
- Cristina Veríssimo e Diogo Burnay
- Ricardo Bak Gordon
- Paula Santos
- Carvalho Araújo
- Guilherme Machado Vaz
- Menos é Mais Arquitectos
- depA architects
- ARX Portugal
- Frederico Valsassina
- PROMONTORIO
- Camilo Rebelo
- Pedro Domingos e Pedro Matos Gameiro
- Luís Rebelo de Andrade
- Susana Rosmaninho e Pedro Azevedo
- João Pedro Serôdio
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- Manuel Aires Mateus
- Carlos Antunes e Désirée Pedro
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- Pedro Guimarães
- Eduardo Souto de Moura
- Diogo Aguiar
- João Maria Trindade
- António Cerejeira Fontes
- Studio MK27
- AND-RÉ
- Adriana Floret
- Pedra Líquida
- spaceworkers
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.